No dia seguinte pela manhã, Artur e Moreira tomaram o café oferecido pelo hotel e seguiram viagem de volta para o Rio de Janeiro. Artur estava cansado pela noite em claro e com o semblante abatido, e dormiu boa parte do caminho.
- Não conte nada a ninguém, Moreira, por favor. Meu pai não pode saber do que ocorreu – disse Artur quando já se aproximavam da mansão.
- De mim ninguém ouvirá uma única palavra sobre o que aconteceu. Não se preocupe. Mas seu pai é esperto. Estamos voltando uma semana antes do panejado... e se você visse sua cara.
- Eu invento alguma coisa caso ele pergunte. Obrigado por tudo, meu amigo – Moreira respondeu com um aceno de cabeça.
Quando chegaram à mansão no Leblon, Artur pediu a Moreira que entrasse pela garagem do outro lado do quarteirão, raramente utilizada. Antigamente, quando o senhor Sanetto costumava organizar festas para políticos e empresários, era usada para a saída de carros.
- Vou lavar meu rosto no chuveiro da piscina. Se meu pai estiver em casa, diga que entramos pelos fundos porque passamos antes na loja do outro lado da esquina, para comprar um lenço, e que esta era a entrada mais próxima.
Alguns minutos mais tarde Artur entrou em casa pela porta dos fundos, e percebeu um semblante estranho no rosto de dona Aurélia e Moreira, que cochichavam na porta da cozinha que dava para a sala secundária.
- Boa noite. Algum problema, Dona Aurélia? – perguntou Artur.
- Seu pai pediu que o senhor subisse para falar com ele no quarto assim que chegasse.
- Ele está melhor? – Aurélia não respondeu, mas sua reação à pergunta já dizia o suficiente.
Artur subiu a escadaria correndo e foi até o quarto do pai. Bateu duas vezes e entrou. O senhor Sanetto estava deitado na cama, vestido com um pijama azul escuro e calçando meias. Um lençol cobria-lhe desde a cintura até os tornozelos. Pela primeira vez em sua vida Artur via seu pai tão indefeso e debilitado.
- Pai? – O senhor Sanetto abriu levemente os olhos.
- Olá, meu filho. Como foram as coisas em Minas?
- Bem.
- Por que já voltou? Pensei que fosse demorar alguns dias.
- Porque me disseram que o senhor ainda estava doente – Artur sentou-se na cama, ao lado do pai.
- Quem disse isso? Aurélia?
- Sim.
- Eu ordenei a ela que não lhe dissesse nada. Parece que nesta casa as governantas fazem o que bem querem.
- A culpa não é dela. Eu insisti em saber. Não a demita por causa disso, por favor.
- Depois conversaremos sobre isso.
- O doutor Macedo já veio aqui ver o senhor?
- Sim.
- O que ele disse?
- Artur, há algo de que você precisa saber – o senhor Sanetto esticou o braço direito e segurou uma das mãos de Artur. – Eu não vou ficar bom do que tenho.
- Como assim, pai? O que o senhor tem?
- Estou muito doente, meu filho. Você precisará seguir sozinho daqui para frente.
- O que o senhor quer dizer com isso? Que vai morrer? – Artur viu uma lágrima escorrer pelo rosto do pai. – Foi isso que o doutor Macedo disse?
- Na verdade, já faz algum tempo que estou doente. Não disse nada a você antes porque não queria preocupá-lo.
- Mas há muitos outros médicos que podemos procurar.
- Eu já fiz isso, Artur.
- E o que o senhor tem?
- É melhor que o doutor Macedo explique a você. Ele já deve estar chegando. Por hora, quero que faça algo para mim.
- Pode dizer.
- O telefone do tabelião está dentro da gaveta – o senhor Sanetto gesticulou suavemente com a cabeça apontando para o criado-mudo, sobre o qual havia meia-dúzia de caixas de remédios.
- Tabelião?
- Você sabe para quê, pois faz direito – Artur abriu a gaveta e retirou um pequeno cartão. - Quero que ligue para ele e peça que venha hoje à tarde.
- O senhor deseja mais alguma coisa?
- Sim. Quando descer, diga a Aurélia que me traga água e um copo de uísque.
- Mas o senhor...
- Um copo de uísque não será a causa da minha morte, nem abstinência o remédio que me curará.
Artur fez como o pai havia pedido. Conversou um pouco com Moreira e subiu para seu quarto. Sentia-se inseguro com a possibilidade de ficar sem o pai. “Agora veio tudo de uma vez. Problemas e mais problemas” – pensou.
Os dias se passavam lentamente. Celsinho e alguns outros amigos foram visitar Artur, tentar convencê-lo a sair de casa para distrair-se um pouco. Foi uma tentativa inútil, como outras feitas por Moreira. Artur parecia cada dia mais deprimido. Em parte por Amanda, em parte pelo pai. A grande verdade é que não tinha maturidade para lidar com aquele tipo de situação.
Funcionários das fábricas iam todos os dias à mansão. Artur inteirava-se cada vez mais dos assuntos de seu pai, tentando dar continuidade aos negócios, que iam de mal a pior.
- Lamento informar, senhor Artur, mas os credores estão ameaçando acionar judicialmente seu pai. Não há como pagar as dívidas. Como o senhor já sabe, não exportamos mais para a Europa por conta da guerra. O que vendemos aqui não é suficiente.
- Eu sei. Entendi essa parte da quinta vez que você me explicou.
- A solução é desfazer-se do negócio. Repassá-lo para algum investidor interessado em...
- Meu pai está sabendo disso?
- Não formalmente. Não houve tempo de tratarmos com ele sobre essa alternativa. Na verdade, a diretoria das fábricas chegou a essa conclusão esta manhã. Mas somente seu pai ou o senhor podem autorizar essa transação.
- Diga aos membros da diretoria que amanhã pela manhã me reunirei com todos. Se tiverem compromissos, desmarquem. Amanhã decidiremos o que fazer.
Artur somente chegou em casa do meio da tarde do dia seguinte, e foi direto para o escritório. Sentou-se na cadeira usada por seu pai a rabiscou algumas palavras num pedaço de papel. Algum tempo mais tarde pediu que chamassem Moreira, que imediatamente foi ao seu encontro.
- Com licença – disse Moreira, abrindo a porta.
- Entre, meu amigo. Preciso de um conselho seu.
- Pode falar – Moreira sentou-se no sofá à frente da mesa em que estava Artur.
- É sobre os negócios do meu pai. Você o ouvia comentando alguma coisa?
- Como assim?
- Qualquer coisa. Você o ouvia conversar com os amigos do trabalho?
- Bem... seu pai era muito reservado, e evitava conversar na minha frente.
- Vamos lá, Moreira. Não é hora para arrodeio. É seu amigo que fala com você, não seu patrão. Eu sei que todo mundo escuta o que se passa nessa casa. Por que você não ouviria as conversas do meu pai?
- Já lhe disse. Ele não conversava nada na minha frente. Mas por que quer saber? Está tudo bem? Digo... em relação à fábrica.
- Não, não está, e não sei o que fazer. Se meu pai não estivesse doente. Mas justo agora, veio tudo junto. Amanda, meu pai, as fábricas.
- Mas você me disse que precisava de um conselho. É sobre a fábrica? Porque de negócios não entendo nada.
- Estão querendo que eu venda.
- Vender? Mas por que?
- Muitas dívidas. Os credores estão nos acionando judicialmente e não há como pagá-los.
Artur levantou-se e caminhou em volta da sala. Parou em frente a uma estante com livros e prosseguiu:
- Talvez a única solução seja vender. A outra opção é fazer um empréstimo e assim pagar uma parte das dívidas. Fecharíamos uma das fábricas, mas poderíamos manter o negócio, ao menos por um tempo, torcendo para a guerra acabar e tudo voltar ao normal.
- Esta última opção me parece ser a melhor.
- O problema dessa opção, Moreira, é que para efetuar o empréstimo terei que dar esta mansão como garantia.
Moreira franziu a testa e levou a mão ao queixo, surpreso com o que de havia acabado ouvir. Desde que se lembrava, a família Sanetto era conhecida por possuir uma das mais belas mansões do Rio de Janeiro.
- Lamento, Artur, mas não sei o que dizer. Talvez os colegas de seu pai, da fábrica, sejam os mais indicados a aconselhá-lo.
- Eles dizem que o melhor é vender. Oferece menos riscos. E isso é verdade. Mas não posso me desfazer assim de tudo que meu pai levou a vida inteira para construir.
- Por que queria saber se eu tinha ouvido alguma conversa do seu pai?
- Porque talvez ele já houvesse decidido o que fazer.
Artur se escorou na mesa, apoiando um braço em cada extremidade, de frente para Moreira. Inclinou o corpo na direção do amigo disse em voz baixa:
- Não comente nada com ninguém.
- Nem precisava dizer.
- Pode ir, então.
Quando Moreira já abria a porta para sair, voltou-se novamente para Artur e falou:
- Seja lá qual for sua decisão, seja firme ao tomá-la. Não deixe que aqueles homens de terno o intimidem – Artur balançou a cabeça afirmativamente.
Por que eles voltam para São Paulo, se Artur mora no Rio de Janeiro?
ResponderExcluirAcredita qeu eu fiquei me fazendo as mesmas perguntas? rsrs. Não sei o que deu em mim. Acho que pensei no apóstolo, rs. Obrigado pela observação. Corrigido.
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