domingo, 26 de junho de 2011

Uma Longa Noite, Uma Boa Conversa

Moreira e Artur resolveram ficar no primeiro hotel decente que encontraram. Artur ligou para o pai do saguão do hotel, avisando que já estava indo embora, e inventou uma história para justificar. Em seguida subiu para seu quarto, que ficava de frente para o de Moreira.
Era quase meia-noite e Artur não havia conseguido sequer cochilar. Levantou-se e caminhou pelo quarto, certo de que não conseguiria dormir. A morte de Amanda e a armação de Elisa ainda estavam entaladas em sua garganta. Olhou o relógio e viu o ponteiro dos segundos mexer-se vagarosamente. Decidiu acordar Moreira.
Toc toc!... Toc toc toc!
-         Quem é? – respondeu Moreira com uma voz rouca.
-         Artur – alguns segundos depois a porta de abriu.
-         O que houve? – Moreira estava com uma cara de quem havia sido acordado de um sono angelical.
-         Desculpe acordá-lo a esta hora, meu amigo. Acho que não foi uma idéia muito boa. Pensei que talvez pudesse estar acordado. Mas acho que a essa hora só eu não estou dormindo nesse hotel.
-         Está tudo bem, Artur? – Moreira não parecia com a mínima vontade de conversar.
-         Na verdade, só queria conversar um pouco. O travesseiro até que é um bom ouvinte, mas não interage muito.
-         Só um minuto. Já volto.
            Moreira lavou o rosto e foi até o quarto de Artur, que já estava com aporta aberta. O jovem rapaz estava de pé junto à janela do quarto, olhando para a rua.
-         Obrigado por vir, Moreira.
-         Tenho bons motivos para ter vindo.
-         E quais seriam estes bons motivos? – indagou Artur ainda olhando para a rua deserta.
-         Primeiro que você é meu amigo, e segundo que você é meu patrão. São ou não são dois bons motivos?
-         Sim. São bons motivos – Artur sorriu brevemente. – Mas prefiro que seja apenas pelo primeiro.
-         Pode estar certo que sim. Ele já é suficiente.
-         Obrigado.
-         Artur, talvez eu não tenha deixado claro, mas quero que saiba que lamento muito o que aconteceu hoje. Estava torcendo para que desse tudo certo. Saiba que fico feliz quando você está feliz, e triste quando você está triste.
-         Agradeço por sua consideração.
Moreira ficou em pé próximo à cama, olhando para Artur e pronto para ouvir o que seu amigo tinha a dizer. Sabia que, naquele momento, seria mais útil se ficasse calado e apenas escutasse.
-         Não foi fácil mesmo hoje à tarde. Ter que ouvir tudo aquilo. Também acabei dizendo coisas que não devia, mas ela mereceu ouvir. Elisa não tinha o direito de ter feito o que fez. Você acha que alguém pode amar dessa forma? Assim, enganando, mentindo, se passando por outra pessoa? Que amor é esse? É por isso que não acredito no amor. Ele serve de justificativa para os maiores absurdos. Infelizmente, cheguei à conclusão de que o amor é uma idéia equivocada da pior forma possível. Tudo que existe entre as pessoas é, no máximo, afinidade. Na maioria das vezes, tudo se resume mesmo é a interesses pessoais egoístas. Você não acha? – Moreira não sabia se respondia a Artur ou se se tratava apenas de uma pergunta retórica. – Você está me ouvindo, Moreira, ou será que caiu no sono?
-         Sim, meu amigo, estou ouvindo atentamente.
-         Então o que acha?
-         Acho que o amor existe. Acredito que seu pai o ama, apesar de às vezes não demonstrar esse amor da forma que você espera. Creio que você ama Amanda.
-         Não, Moreira. Eu só estava apaixonado por ela, só isso. A paixão passa. Quanto a meu pai, por ele guardo afeto, e acho que ele sente algo parecido por mim.
-         E o que é o afeto, Artur, senão amor?
-         Não, Moreira. Afeto não é o mesmo que amor. Não esse amor a que você e todas as demais pessoas se referem. Afeto é apenas um sentimento que vem com a convivência, com a proximidade. O amor, pelo que já ouvi, é algo maior, sublime, que existe apenas no mundo das idéias. Ninguém ama ninguém.
            Moreira achou melhor não argumentar com Artur. Sabia que o amigo falava mais pela emoção que pela razão. Novamente seria melhor ouvir e calar-se.
-         Meu pai ainda está doente.
-         Você conseguiu falar com ele?
-         Sim – Artur ficou alguns segundos em silêncio e continuou: - Estava meio rouco, e falava com dificuldade. Parece que está muito doente. Mas não contou o que tem.
-         Não se preocupe. O senhor Sanetto é um homem forte. Deve ser apenas uma gripe.
-         Se fosse ele teria me dito.
Artur saiu da janela e caminhou pelo quarto, sentando-se na cama. Moreira permanecia em pé, recostado ao guarda-roupa.
-         É incrível como de repente as coisas mudam – disse Artur. - Há dois dias eu estava feliz e empolgado com a vida. Agora estou aqui, num quarto de hotel, triste por Amanda, enraivecido com Elisa e preocupado com meu pai.
-         As coisas irão melhorar. Tenha fé.
-         Fé em Deus?
-         Sim, fé em Deus.
-         A fé em Deus é uma idéia ainda mais absurda que a do amor.
-         Mesmo que você não tenha fé em Deus, meu amigo, ele continua tendo fé em você.
-         O que é fé para você, Moreira?
-         “É a certeza das coisas que se esperam”. É confiar em Deus. Acreditar que ele fará o melhor para nós, que se há algo que nos prometeu, ele irá cumprir.
-         Como é possível que alguém que não fala com você lhe prometa algo? Como pode alguém que não se pode sentir ou ver existir? Deus é uma criação do homem para fugir da realidade, para ter a quem culpar ou a quem recorrer quando ninguém mais pode ajudar.
-         Eu confesso a você, Artur, que muitas vezes me fiz essas mesmas perguntas. Até que entendi que podemos, sim, senti-lo, e que podemos enxergá-lo em muitos lugares e momentos da nossa vida.
-         Onde você o enxerga?
-         No amor entre homem e mulher, no companheirismo entre dois amigos, no cuidado de uma mãe com seu filho. De onde mais tudo isso viria? Do acaso? Certamente que não. Algo maior está por trás de tudo isso. Apenas uma mente brilhante como a de Deus poderia criar todas essas coisas.
-         E por que tudo isso não pode apenas ser fruto do acaso? De uma evolução natural do homem?
-         Prefiro crer que Deus está por trás desses sentimentos que o simples acaso.
-         E as coisas ruins que acontecem? São também criadas e executadas por Deus?
-         Por algum motivo que nós não entendemos Deus permite que coisas ruins aconteçam.
-         Eu respeito sua fé, meu amigo, mas não posso crê em um Deus que permite que pessoas boas sofram injustamente. É melhor não acreditar em Deus do que conceber a existência de um ser divino sádico.
-         Você não pode dizer que Deus é ruim simplesmente porque não concorda com o que ele faz ou deixa de fazer. Nós somos apenas pessoas limitadas. Se ele criou tudo, com certeza sabe o que está fazendo.
-         E certamente ele tem um plano que eu só compreenderei no final. Não é isso que você quer dizer, Moreira? – Artur levantou-se da cama parecendo um tanto exaltado, e novamente caminhou até a janela.
Moreira não deu mais nenhuma palavra. Artur ficou parado junto à janela olhando a rua. Durante alguns minutos reinou o completo silêncio, até que Artur resolveu novamente falar.
-         Moreira, não me entenda mal. Não queria me exaltar.
-         Tudo bem, meu amigo, eu entendo.
-         Um dia, quando você precisar de mim, eu prometo que terei por você a mesma consideração que tem por mim e meu pai.

Surpresas da Vida

A senhora Laura foi quem atendeu à porta. Cumprimentou alegremente Artur e o convidou para entrar.
-         Entre senhor Artur. Sinta-se em casa.
-         Peço desculpas por ter vindo sem avisar, senhora Laura. Eu quis fazer uma surpresa à sua filha. Por isso vim sem dizer nada.
-         Não se preocupe com isso. É uma honra ter sua visita. E ela certamente adorará a surpresa.
-         É o que espero.
-         Com certeza. Chegou a falar com o carteiro que entrega a correspondência aqui em casa para que somente entregasse suas cartas a ela, pessoalmente - Artur sentiu-se aliviado ao ouvir estas palavras.
-         E o senhor Alfredo está bem? – perguntou Artur.
-         Depois de tudo que passamos, acho que está. Ele precisou sair para resolver um problema. Logo estará de volta. Porém acredito que não seja ele exatamente o motivo de sua visita. Por favor, sente-se. Fique à vontade. Vou avisá-la que alguém a espera.
Artur sentou-se em uma cadeira de madeira recoberta com um estofado vermelho desgastado pelo tempo de uso. Tinha outras duas cadeiras na sala. Havia uma estante também de madeira à sua frente com vasos e plantas de plástico. Uma pequena mesa de vidro posta junto à parede que dava para o corredor, com duas garrafas de licor e alguns copos. Paredes pintadas com um verde claro, chão com piso simples. A casa tinha uma aparência triste.
-         Elisa! Minha filha, tem visita para você.
-         Visita para mim?
-         Isso mesmo – disse a senhora Laura estampando um sorriso.
-         Quem é, mamãe?
-         Pediu que eu não dissesse.
-         Mamãe, por favor, diga logo, pois estou ficando curiosa.
-         Acho que você vai gostar. Ajeite-se e vá atender a visita.
Alguns instantes depois a senhora Laura retornou e sentou-se em uma das cadeiras.
-         Elisa já está vindo.
-         E Amanda, está?
-         Amanda? – a mulher fez um semblante de completo estranhamento àquela pergunta.
            Neste momento Elisa apareceu saindo do corredor que dava acesso à sala. Ficou parada olhando para Artur, que logo percebeu sua presença. A senhora Laura olhou também para a filha, e um clima de completo desconforto se instalou entre os três.
-         Artur? – balbuciou Elisa, como se não acreditasse na visão.
-         Olá, senhorita Elisa – Artur percebeu a reação da senhora Laura a sua pergunta e como Elisa parecia desconfortável em pé na entrada interior da sala.
-         Minha filha, você não contou a ele sobre Amanda?
-         Contar o quê? – indagou Artur, visivelmente perturbado com as palavras que acabara de ouvir.
-         Mamãe, por favor, deixe-nos a sós. Eu posso explicar, senhor Artur – disse Elisa.
-         Minha filha, ele não sabe que...?
-         Não estou entendo nada. É de Amanda que a senhora está falando? – disse Artur.
-         Mamãe, eu converso com ele, pode deixar.
            A senhora Laura pediu licença e retirou-se para a cozinha sem dizer uma só palavra mais, percebendo a gravidade da situação. Elisa caminhou até o centro da sala, com os olhos já embebidos de lágrimas. As suas mãos agarravam-se uma à outra à altura do peito, como se rezasse. Artur levantou-se e ficou parado à sua frente. Depois de alguns segundos em silêncio, Elisa, fazendo enorme esforço para falar, começou a revelar o terrível segredo que se escondia por detrás das cartas de amor que enviara a Artur:
-         Senhor Artur, há algo de que o senhor precisa saber. Suplico-lhe que não tire conclusões precipitadas.
-         Elisa, o que está havendo? Diga logo.
-         É que... Amanda... – Elisa buscava um modo de dizer a verdade. Sua boca estava trêmula, e suas mãos pareciam pressionar-se mutuamente com cada vez mais força.
-         O que tem Amanda?
-         Ela já não está mais aqui.
-         E onde ela está agora?
-         Lembra-se de quando ela lhe disse que estava doente?
-         Sim. Mas isso já faz bastante tempo.
-         Mas acontece que minha irmã, infelizmente, não ficou boa.
-         Como assim? – Artur aproximou-se mais de Elisa, que permanecia na mesma posição, olhando para algum ponto no chão, sem coragem para prosseguir.
-         É que... - Elisa já não conseguia conter as lágrimas.
-         O quê, Elisa? Diga logo!
-         Amanda morreu.
            De repente a ansiedade e temor de Artur dissiparam-se, dando lugar a um estado de completa perplexidade. Aquela notícia era tão inesperada que a princípio lhe pareceu absurda.
-         O que você disse? – perguntou Artur, ainda incrédulo, mas Elisa não conseguia dizer mais nada, apenas chorar. – Elisa, por favor, fale comigo. Foi sua irmã que pediu que você inventasse essa história, não foi? Amanda não sente nada por mim, e por isso resolveu usar você para inventar essa história absurda. É isso, não é?
-         Não, não...
-         Não o que, Elisa? – Artur aproximou-se mais de Elisa, e com suas duas mãos segurou as da moça. - Não precisa chorar assim. Eu não estou com raiva de você. Olhe para mim e me diga a verdade, por favor.
-         Eu estou dizendo a verdade, senhor Artur. Amanda mor... – Elisa mal conseguia permanecer de pé.
            Artur caminhou então até o corredor de acesso à sala e gritou: “Amanda, apareça! Se você não me quer, venha aqui e me diga você mesma”. Mas foi a senhora Laura que surgiu, saindo pela porta da cozinha. Quando viu Elisa chorando no meio da sala, não se conteve e interferiu:
-         O que está havendo?
-         Senhora, por gentileza, diga à sua filha Amanda que eu já entendi tudo, e que ela tenha a hombridade de vir até aqui e me dizer ela mesma o que pensa. Usar a pobre Elisa para fazer isso é uma atitude desprezível - Artur estava claramente alterado, e seu ímpeto já revelava o orgulho ferido.
-         Senhor Artur, não estou lhe entendendo – respondeu a mulher. - Não sei o que Elisa lhe disse nem porque minha filha está chorando tanto. Mas não vou admitir que venha até minha casa desrespeitar a memória de Amanda, nem trazer mais tristeza à única filha que me restou.
            Artur olhou para trás, na direção de Elisa, e voltou-se novamente para a senhora Laura. Levou uma das mãos à cabeça, completamente confuso com aquela história, pensou e pensou, e olhando fixamente nos olhos da senhora Laura, perguntou em um tom mais ameno, quase vacilante:
-         A senhora está querendo me dizer que Amanda...
-         Senhor Artur, se ainda não ficou suficientemente claro para o senhor, eu serei bem direta: Amanda morreu há cinco meses, logo depois de nos mudarmos para Belo Horizonte em busca de tratamento para ela. Ainda estamos tentando superar esta trágica perda. E peço-lhe que perdoe Elisa se durante todo esse tempo em que vocês dois se corresponderam ela não lhe disse nada.
            Se fosse possível que o céu caísse sobre alguém, este talvez fosse o peso daquela notícia sobre a cabeça de Artur. Não se tratava de uma estratégia de Amanda, mas de sua inexistência. O inimaginável tornara-se real. Nem mesmo o maior dos temores ou pior dos pressentimentos haviam despertado esta outrora impensável possibilidade: Amanda estava morta.
            Desta vez não era seu orgulho que estava ferido, mas seu coração. A idéia de não poder ver mais Amanda era infinitamente mais dolorosa que a de ser rejeitado por ela.
            Artur ficou alguns segundos parado, estático, assimilando o golpe, tentando digerir aquele fato que o destino lhe empurrava goela abaixo. Não demorou muito para que desmoronasse sobre si mesmo. Chorou tão desesperadamente que a senhora Laura arrependeu-se de como lhe havia transmitido a noticiada da morte da filha.
            Elisa aproximou-se de Artur e ficou parada em pé diante dele, sem saber se o abraçava ou apenas esperava que o primeiro impacto daquele golpe fosse assimilado. Mas a jovem sabia que o pior ainda estava por vir, e temia pela reação de Artur. Logo o rapaz descobriria toda a verdade.
            A mãe de Elisa chegou-se perto da filha e falou quase sussurrando em seu ouvido:
-         Por que você não contou a ele a verdade? O que foi que disse a ele nas cartas?
            Ao ouvir aquelas perguntas, Elisa começou novamente a chorar. Não era um choro só de tristeza. Era também de vergonha. Evitava olhar nos olhos de sua mãe. Nenhuma resposta deu. Sabia que justificativas só piorariam a gravidade do que havia feito, e que era apenas questão de tempo até que Artur voltasse a si e montasse o quebra-cabeça. Isso aconteceu mais cedo do que esperava.
-         E quem se comunicava comigo pelas cartas? – perguntou Artur, ainda de cabeça baixa e chorando muito. Como não houve resposta, engoliu o choro e ficou frente a frente com mãe e filha, e repetiu a pergunta.
            Elisa respirou fundo, olhou de relance para a mãe e respondeu:
-         Fui eu - a senhora Laura olhou para a filha com um olhar de espanto, sem conseguir acreditar que Elisa pudesse ter feito aquilo. Logo Elisa, que sempre fora tão correta e incapaz de fazer mal a alguém, se passando por outra pessoa.
-         Então, todas aquelas cartas em que Amanda declarava seu amor a mim, aquele cartão de natal e todo o restante foi uma mentira? Não era Amanda? Era você?
-         Não, não foi mentira.
-         Você me envia cartas se passando por outra pessoa e isso não é uma mentira?
-         As palavras contidas nas cartas eram verdadeiras.
-         Que palavras eram verdadeiras?
-         Todas. Todas as palavras.
-         Mas o remetente não! E isso invalida tudo que você disse – o aspecto de tristeza de Artur ao poucos dava lugar a um semblante de ira e revolta.
-         Não, não invalida. Não diga isso.
-         Por que não? Essa é a única verdade nessa história toda.
-         Porque eu o amo.
-         Ama-me? – Artur deu uma breve pausa e continuou: - Não, você não me ama. Eu sempre acreditei que o amor era uma ilusão. Você só piorou a visão que tenho dele. Para mim, isso que você sente é uma doença. E se isso é o amor, então o amor é mesmo uma doença.
-         Por favor, Artur, deixe-me explicar toda a história ao senhor, eu suplico.
-         E sabe o que mais? Ainda que o amor existisse, certamente não seria a você que eu o teria. A você eu só consigo ter ódio, repugnância e pena. Pena porque você é uma infeliz mal amada, uma mente inescrupulosa que se passou pela irmã morta para ter o que não lhe pertence.
-         Já chega, senhor Artur! - interveio a senhora Laura. – Não admito que fale dessa forma com minha filha, por maior que seja o erro que ela tenha cometido.
-         Mamãe, a senhora pode nos deixar a sós um pouco? – disse Elisa sem olhar diretamente para a mãe.
-         Não, minha filha. O que o senhor Artur tiver para lhe dizer, fará na minha frente. E o mesmo vale para você.
            Artur caminhou até a porta, como se fosse embora. Os olhares de mãe e filha o seguiram pela sala, receosos da atitude que o jovem poderia tomar. Mas Artur voltou-se novamente para a as duas, e olhando diretamente para Elisa, desabafou:
-         Como você teve coragem de fazer isso? Quem pensa que é para se passar por alguém que não é e enganar outra pessoa? Sabe o que você é? Uma farsante! Mentirosa! – Artur estava totalmente descontrolado. Gritou estas palavras tão alto que Moreira e toda a vizinhança puderam ouvir.
-         Você também não tem o direito de vir aqui dentro da minha casa e gritar assim com minha filha. Vá embora daqui ou chamarei a polícia - interveio novamente a senhora Laura em defesa da filha.
-         Chame mesmo, senhora. Mas quem irá presa será sua filha, não eu. Não sou eu o enganador aqui dentro. Não fui eu que alimentei em outra pessoa uma falsa esperança. Não fui eu que iludi Elisa, fazendo-me passar por meu irmão morto. Foi ela, sua filha.
-         Senhor Artur, eu pretendia contar-lhe a verdade – disse Elisa, tomando a frente da mãe.
-         Ia me contar por carta? Ou ia pedir que eu viesse aqui para me falar que sua irmã havia morrido e que era você nas cartas?
-         Sim, sim... eu sei que o que fiz foi errado. Perdoe-me. Nunca quis magoá-lo.
-         Você acha que um pedido de perdão apaga as mentiras? Que seu arrependimento pode consertar as coisas?
Elisa deu um passo à frente da mãe, e, como se cambaleasse, caiu aos pés de Artur, em pranto, dizendo repetidamente: “Perdoe-me Artur, perdoe-me... o que fiz foi por amor, perdoe-me”. Artur afastou-se para trás, desvencilhando-se das mãos da moça que abraçavam suas pernas, abriu a porta e, antes que saísse, pronunciou suas últimas palavras: “Então morra com esse amor. Porque para mim você está morta”.
Quando Artur saiu da casa, Moreira estava em pé na calçada, sem saber se batia à porta para ver o que estava ocorrendo ou aguardava do lado de fora. Alguns vizinhos também haviam saído às calçadas de suas casas, e o vendedor da livraria do outro lado da rua parou até mesmo de atender à clientela para prestar atenção àquele alvoroço.
-         Vamos embora daqui, Moreira – Artur disse estas palavras enquanto caminhava a passos largos para o carro.
-         O que aconteceu, Artur? Por que você está chorando?
-         No caminho eu te conto. Agora só quero ir embora daqui. Deixar esse maldito lugar.
            Quando o carro estava partindo, Elisa saiu de casa e se colocou na frente do veículo, chorando e fazendo gestos com as mãos para que esperassem. Mas Artur insistiu para que Moreira prosseguisse em frente.
-         Artur, assim irei atropelá-la – avisou Moreira.
-         Acelera, Moreira! Essa garota não é doida. Ela que saia da frente.
            Moreira saiu vagarosamente no carro, tomando cuidado para não atropelar Elisa, que insistia em permanecer na frente do veículo. Por sorte, sua mãe foi até onde ela estava e a puxou à força.
-         Não... mãe, me deixa! Eu tenho que falar com Artur.
-         Já chega, minha filha. Ele não quer falar com você. Quando as coisas se acalmarem, vocês conversam – enquanto a senhora Laura falava, segurava e puxava com força sua filha, até que as duas caíram sobre a calçada.
            Vizinhos curiosos aglomeravam-se nos portões das casas, e toda a clientela da livraria prestava devotada atenção àquela lamentável cena, como se fosse um espetáculo aberto ao público.
            A noite se aproximava, e embora Artur desejasse retornar o mais cedo possível para o Rio de Janeiro, Moreira o convenceu a passar a noite em um hotel na cidade e viajar apenas na manhã seguinte, com a luz do sol.
-         Lamento, Artur, mas foram ordens do seu pai. Ele disse que se eu viajasse a noite com você faria comigo o mesmo que fez com Maria. A não ser que me arranje outro emprego igual, não poderemos seguir viagem esta noite. No máximo, podemos dar uma volta em Belo Horizonte. Que acha?
-         Do jeito que estou, Moreira, não tenho cabeça para nada. Vamos procurar algum hotel. Amanhã seguiremos viagem. Não vejo a hora de chegar à minha casa. Estou até com saudade do meu pai, acredita?