Rio de Janeiro, outono de 1943. O amanhecer de mais um dia desenhava-se, desnudando o céu azul que se escondia na escuridão da noite.
Era uma típica segunda-feira. Artur chegou a sua casa quase às seis da manhã, depois de mais um fim de semana de farra com os amigos. Acordou após o meio-dia. Almoçou e saiu novamente. Não gostava de ficar em casa, uma mansão no Leblon, pois a considerava muito vazia e triste, embora lhe trouxesse ainda as melhores lembranças da mãe.
A mansão possuía um grande e belo jardim, com longas árvores e lindas flores. Havia ainda uma grande piscina e um salão para festas adjacente à mansão. Mas nada disso atraía a atenção do rapaz.
Seu pai, o senhor Sanetto, estava quase sempre ausente. Era um homem austero e muito dedicado às fábricas de tecidos que possuía, onde passava a maior parte do tempo. Não havia mais ninguém na mansão além das empregadas, e estas eram a principal companhia de Artur quando não saía.
Somente à meia-noite daquele dia Artur retornou para casa, e seu pai o esperava, sentado no sofá da sala principal, e estava visivelmente incomodado com a hora em que seu filho chegara.
- Onde esteve hoje, rapaz?
- Boa noite, pai. Como foram seus últimos três dias?
- Onde você estava até esta hora? - insistiu o sr. Sanetto, bastante irritado.
- Estive com alguns amigos.
- Você foi à faculdade hoje?
- Sim senhor – Artur não dava muita importância aos questionamentos do pai, pois de tempos em tempos eles se repetiam. Apesar disso ainda o temia o suficiente para não ousar contrariá-lo demasiadamente.
- Meu filho, desta vez eu não consultei apenas as empregadas desta casa. Sei que elas encobrem suas armações e mentiras – Artur finalmente deu atenção ao que seu pai dizia; era uma conversa diferente das anteriores. – Falei com o coordenador de seu curso, rapaz – a voz do senhor Sanetto elevara-se e, levantando-se do sofá, aproximou-se de Artur. - Você só foi à aula uma única vez na semana passada. Uma vez!
Artur não teve coragem de olhar em seus olhos, e de cabeça baixa, insinuou alguma desculpa, mas recuou.
- O que você tem a me dizer? – o senhor Sanetto segurou o queixo de Artur com a mão direita, erguendo sua cabeça. - Olhe pra mim! Qual será a mentira desta vez? - O rosto daquele austero homem estava avermelhado, e de seus olhos quase podia sair fogo.
O senhor Sanetto então deu-se conta de que se tinha deixado dominar por uma ira repentina, e, soltando o rosto de seu filho, deu alguns passos para trás. Apoiava-se em uma bengala que segurava com a mão esquerda. Artur continuava olhando para o chão.
- As regras desta casa mudarão a partir de hoje. Você já teve todas as oportunidades, e foram mais do que você mereceu. Está na hora de aprender a valorizar as coisas que tem. Não financiarei mais suas farras. Pagarei apenas a sua faculdade. Sua saídas à noite com seus amiguinhos durante a semana acabarão, até que esteja formado. Depois disto, poderá novamente sair quando quiser, mas terá que trabalhar para pagar suas noitadas. Poderá trabalhar comigo, ou advogar, se preferir. Mas de hoje em diante, enquanto estiver nesta casa, será do meu jeito. Está entendido?
- Sim senhor.
Depois desta conversa, o senhor Sanetto retirou-se para seu quarto, e Artur foi para a cozinha. Sempre que seu pai o repreendia por algum motivo, ia consolar-se com Maria, a governanta da mansão. Artur guardava um carinho especial por aquela amável senhora, pois fora ela que o criara desde o falecimento de sua mãe, quando ele ainda tinha três anos de idade.
Algumas empregadas da casa estavam reunidas na cozinha. Porém Maria não estava entre elas. Foi quando Artur recebeu mais uma terrível notícia. Maria havia sido demitida.
- Como assim? Meu pai? Por quê? - nenhuma das mulheres presentes ousava falar sobre o assunto.
Artur subiu a escadaria da casa correndo e foi até o quarto de seu pai. Sem bater à porta, entrou. O senhor Sanetto estava em pé junto à janela, olhando para a rua. Já esperava por aquele momento. Sabia que seu filho logo descobriria sobre Maria, e que seu instinto impulsivo o levaria até ali.
- O senhor demitiu a Maria? - Perguntou Artur, ofegante.
- Sim, demiti.
- Por quê?
- Porque os empregados desta casa devem obedecer a mim, não a você. Eles só obedecem a você se eu disser que devem obedecer.
- Mas em que Maria desobedeceu ao senhor?
- Antes de ligar para a faculdade, Artur, perguntei a ela se você tinha ido à aula. Maria disse que sim. Mas eu suspei de que ela estava mentindo. Para confirmar, falei com o coordenador do seu curso, como já lhe disse antes. Não queria tomar nenhuma atitude precipitada.
- Mas ela não tinha como saber. Eu saí arrumado, e ela achou que eu tinha ido à aula.
- Artur, meu filho, não foi a primeira vez que Maria encobriu seus erros. Você pensa que sou idiota? Minha paciência terminou!
- Depois de tantos anos conosco, como o senhor teve coragem de fazer isso com ela?
- E depois de tantos anos pagando caro por seus estudos, como você pôde me enganar? Como pôde enganar seu pai?
- Não é a mesma coisa. Onde Maria vai trabalhar? Ela não é mais jovem. O senhor é rico. O que investiu em mim não foi nada diante de todo dinheiro que tem.
- Já chega! - esbravejou o senhor Sanetto.
Os olhos de Artur encheram-se de lágrimas, e seu coração de ira e revolta. Serrou os punhos fortemente, como se lutasse para conter a si mesmo. Porém não disse mais nada. Retirou-se para o seu quarto, batendo a porta com veemência.
As empregadas da casa que estavam na cozinha ouviram a discussão, porém não conseguiram entender as palavras. Mas era óbvio o tema da conversa. Todas estavam temerosas. Se Maria havia sido demitida, qualquer uma poderia, e a qualquer momento.
O senhor Sanetto, ao contrário do que alguém poderia supor, ressentia-se por não haver dado a devida atenção a seu filho durante a adolescência. Era este o motivo que o impedia de tomar atitudes mais drásticas em relação a Artur. A ousadia do rapaz, em outras circunstâncias, poderia custar-lhe caro.
Muito bom! Ritmo ótimo. li no blog Escreva seu Livro que está desmotivado, dê um tempo para relaxar então. Depois continue quando vier sua inspiração, muito boa a sua história. Depois vou ler o resto, tá bom?
ResponderExcluirGostei muito. Esse começo está ótimo. É um pouco batido o tema de pai autoritário e filho fanfarrão que falta a faculdade, mas fica perdoado conforme o rumo que você der à história.
ResponderExcluirAlém disso, as frases estão bem construídas, a estrutura do capítulo (que antecipa a estrutura do livro todo) é coerente, e vai apresentando as informações na medida certa. Puxa, tenho que ler o segundo capítulo.