Nem uma semana havia se passado desde a última conversa que Artur tivera com as duas irmãs, quando enviou a primeira carta. Era, na verdade, mais que uma carta. Tratava-se de uma caixa com presentes para as duas moças. Dentro, havia um par de brincos endereçados a Elisa, e uma pulseira de ouro para Amanda.
O conteúdo da carta era breve, e dizia o seguinte:
“Querida Amanda,
Estou sentindo saudade de você, apesar de só havermos conversado uma única vez. Sinto que foi providência do destino termos nos encontrado. Ainda me lembro de seus olhos verdes e de seu sorriso. Espero que vocês possam retornar ao Rio de Janeiro em breve. Por favor, mande lembranças minhas a Elisa. Diga a ela que estes brincos são uma tentativa de amortizar minha dívida. A pulseira que envio é um presente para você lembrar-se de mim. Por favor, transmita meus respeitosos cumprimentos a seus pais.
Com carinho,
Artur.”
Artur aguardou ansiosamente pela resposta. Sabia que poderia demorar, pois Amanda e Elisa moravam em Minas Gerais, numa pequena cidade interiorana. Artur, na verdade, estava preocupado com sua reputação de conquistador. Havia feito uma aposta com Celsinho de que conseguiria conquistar Amanda através das cartas. Embora houvesse se interessado por ela, não estava disposto a investir em uma relação com uma moça que não fosse da alta sociedade.
Depois de quatro semanas, chegou a resposta de Amanda. Era um pequeno envelope marrom. Foi entregue a Artur por Aurélia, assim que ele chegou da faculdade, no final da manhã de uma sexta-feira.
Artur ficou aliviado ao ver o envelope. Subiu apressadamente a escadaria em direção ao seu quarto e, fechando a porta rapidamente, recostou-se sobre a mesma, ainda em pé. Rasgou o envelope e lentamente foi agachando-se até chegar ao chão. Leu a seguinte mensagem:
“Querido Artur,
Fiquei muito feliz com a carta que você me enviou. Muita gentileza sua. Para mim foi também inesquecível aquele encontro. Você é muito educado.
Espero voltar ao Rio de Janeiro o quanto antes, mas dependerei da autorização de meu pai. Contudo, não tenho coragem de hospedar-me novamente na casa do secretário, tio de minha prima Cilene, pois estivemos lá a favor estes dias, e apenas por um final de semana, para resolvermos um problema familiar. Porém, não desistirei de reencontrá-lo.
Elisa também está mandando lembranças, e meus pais disseram que tiveram uma ótima impressão de você. E quem não teria? Estou aguardando mais cartas suas.
Com carinho,
Amanda.”
Naquele mesmo dia, Artur resolveu responder a carta. Novamente pensou em enviar algum presente, mas não queria parecer afoito demais, e muito menos transmitir a idéia de que estava tentando conquistar a linda moça com mimos. Contudo, desejava também transmitir entusiasmo e interesse especial por Amanda. Tratava-se de uma linha tênue entre a simples amizade e o encanto latente que precisava ser cuidadosamente delineada.
Então teve a idéia de, ao invés de uma carta, enviar uma agenda, e nela mesma escrever a Amanda. Parecia uma alternativa formidável, pois preenchia seus anseios e afastava seu medo de ser mal interpretado pela moça e, principalmente, por seus pais.
Celsinho conferia as cartas recebidas por Artur, mas não tinha acesso ao que Artur escrevia. “Um verdadeiro conquistador não revela seus segredos”, dizia o jovem Sanetto.
Novamente, Artur passou a aguardar com ansiedade pela resposta a sua carta. Outros amigos da faculdade tomaram conhecimento da aposta entre os dois, que não envolvia dinheiro. Apenas uma reputação a zelar, segundo Artur. De fato, o rapaz já havia iludido e desiludido muitos corações.
Artur e Amanda permaneceram se correspondendo durante meses. As cartas eram cada vez mais longas e íntimas. Com o passar dos dias, Artur adaptou-se à idéia de ficar mais tempo em casa, e sempre esperando o carteiro. Mas algo de positivo havia nisso. Ele estudava mais, e saía cada vez menos com os amigos. Seu pai mostrava-se satisfeito com a mudança de comportamento de seu filho, acreditando ter sido ele, ou mais precisamente sua atitude de cortar muitos dos privilégios de Artur, a causa da mudança.
A primavera já estava se iniciando. E como ocorria havia meses, dona Aurélia entregou mais uma carta que havia chegado a Artur. Ele correu para seu quarto para lê-la, e sentou-se na cama. Mas antes de abrir o envelope, foi tomado por um pressentimento ruim, a ponto de sentir-se desencorajado a prosseguir. Um calafrio percorreu todo seu corpo, seu coração acelerou repentinamente e suas mãos suavam de uma forma muito estranha.
Teve medo de ler a carta, mas a curiosidade era bem maior que qualquer pressentimento ou incerteza que lhe viesse à mente naquele momento. Então, vagarosamente, rasgou uma das extremidades do envelope, e de dentro tirou uma pequena folha branca. Abriu-a cuidadosamente, e leu a seguinte mensagem:
“Olá, meu Artur!
Sou-lhe grata por suas palavras doces e carinhosas. Você é realmente um homem especial. Nunca duvidei disso, desde o primeiro momento em que o conheci. Tem sido maravilhoso para mim receber suas cartas, e a cada dia que passa tenho mais vontade de encontrá-lo novamente. Às Vezes fico também imaginando como seria perfeito se estivéssemos perto um do outro. Mas receio que talvez não nos vejamos mais. Por isso serei sincera com você, para que não crie falsas esperanças.
Estou muito doente. Os médicos não sabem exatamente o que tenho. Sinto-me exausta todo o tempo, e é com muita dificuldade que escrevo estas palavras. Elisa e meus pais estão cuidando muito bem de mim. Não quero que sofra por minha causa, nem se sinta na obrigação de visitar-me, embora eu deseje isto com toda a força do meu coração.
Não estou dizendo que irei morrer, mas também não posso afirmar que ficarei boa. Estou com medo, e choro quase todo o tempo. Não pedirei que ore por mim, pois sei que você não acredita em Deus. Mas peço que seja feliz. Por mim. Por nós dois!
Com amor,
Sua Amanda.
P.S. Se não nos virmos mais, quero que saiba que eu poderia amá-lo como nenhuma outra mulher o amaria. Apesar de havermos tido tão pouco tempo juntos, não o esquecerei jamais.”
Os olhos de Artur encheram-se de lágrimas. As palavras que lera trouxeram-no de volta à realidade da vida, que por alguns meses havia sido tão bela e empolgante quanto um conto de fadas. Olhou em volta do seu quarto, como se procurasse por algo em que se agarrar, e que o fizesse se sentir seguro e confortável. Desejou que estivesse apenas sonhando. Mas não estava.
Artur passou todo o restante daquele dia trancado em seu quarto. Não saiu nem mesmo para ir ao banheiro. Embora dona Aurélia batesse à porta, não respondia. Quando seu pai foi até seu quarto para saber se estava tudo bem, limitou-se a duas ou três palavras como resposta.
Contudo, ainda na madrugada daquele mesmo dia, Artur foi até o quarto de seu pai. Estava desesperado. Lavou o rosto para tentar disfarçar sua aparência, mas seus olhos avermelhados pelas tantas lágrimas derramadas e seu semblante angustiado denunciavam seu estado de espírito.
Então bateu à porta do quarto de seu pai, e, antes que este pudesse responder, entrou. O senhor Sanetto acendeu a luz e deparou-se com Artur em pé, de frente para sua cama, com a mão direita sobre a cabeça.
- Está tudo bem, Artur?
- Não pai, não está. Eu preciso da sua ajuda.
- O que aconteceu, meu filho?
- Eu preciso de dinheiro para fazer uma viagem.
- Viagem? Para onde?
- Minas Gerais.
- Minas Gerais? – o senhor Sanetto tateou uma pequena mesa de canto que havia próximo à cama, a procura dos óculos.
- Exatamente, pai. Preciso ir ver uma amiga.
- Você estava chorando, Artur? – finalmente o senhor Sanetto, já usando os óculos, havia observado atentamente o filho.
- É que ela está muito doente. Avisou-me por carta.
- Eu não sabia que você tinha amigos em Minas Gerais. Quem é essa moça?
- Pai, confie em mim.
- Eu não estou desconfiando do que você está me dizendo, meu filho – o senhor Sanneto sentou na cama, apoiando-se em um dos braços.
- Eu a conheci na festa do secretário.
- Onde ela mora? Podemos falar primeiro com os pais dela. Saber de notícias mais concretas.
- Pai, por favor, não é momento para detalhes. Eu só preciso de algum dinheiro para ir vê-la.
- Artur, por que não conversamos com mais calma amanhã? Agora não poderemos resolver nada
- Pai, por favor.
- Sinto muito meu filho, mas assim não posso ajudá-lo. Você nunca saiu do Rio sozinho, e agora quer ir para Minas, onde nunca esteve antes. Sinto muito, Artur, mas não posso ajudá-lo, nem autorizá-lo a ir.
- Por que o senhor nunca me ajuda? Por que me trata assim? Acha que tenho que fazer sempre o que deseja? – Artur exaltou-se, atropelando as palavras, e sua voz rouca alteou-se.
- Controle-se rapaz! Você não pode perder o controle desta forma!
- Eu não estou pedindo nada que o senhor não possa fazer. Ao menos uma vez, pai, fique do meu lado...
Surpreendentemente, o senhor Sanneto não se sentia desrespeitado pela maneira que seu filho falava. Em outra ocasião, provavelmente, reagiria de modo completamente diferente, da forma usual. Mas naquela noite, seu instinto de pai falou mais alto. Artur ainda lançava seus últimos argumentos, quando o senhor Sanetto pôs-se de pé e, aproximando-se de seu filho, o abraçou. Não disse nada. Somente o abraçou.
Artur esperava ouvir qualquer coisa; talvez até ser agredido por seu pai, pelo modo audacioso com que falava. Mas aquela atitude o pegou de surpresa. Estava preparado para tudo, menos para aquilo.
Pela primeira vez em tantos anos sentia-se protegido, cuidado. E, desarmado pelo inimigo de forma gloriosa, envolveu levemente o senhor Sanetto entre seus braços, e chorou. Chorou por Amanda, e por si mesmo, ali, no ombro de seu velho pai. Aquele homem de cabelos e cavanhaque grisalhos, por um breve momento, deixara de lado o papel de patriarca rude a autoritário, e assumira, como não fazia a muito, o papel de pai amoroso e protetor.
Permaneceram abraçados, quietos, calados. Após alguns minutos, largaram-se, e, com os olhos cheios de lágrimas, contemplaram um ao outro, como não se vissem há muito tempo, e as máscaras de repente houvessem caído, de forma que se surpreendiam com a nova visão.
- Eu sempre estive ao seu lado, meu filho. Talvez da forma errada, mas sempre estive – o senhor Sanetto deu uma breve pausa, como se buscasse forças para continuar. – Perdoe-me por não haver demonstrado isso como deveria – “perdão” era uma palavra rara em sua boca.
- Eu deixei que a emoção dominasse minha razão. Não quis desrespeitá-lo.
- Eu sei que não.
- O senhor não sente orgulho de mim, não é? Sei que sempre quis que o ajudasse nas fábricas, porém eu...
- Xiii... Não diga isso, Artur. Eu tenho muito orgulho de você. Sei que se tornará um grande homem. E, para isso, não tem que fazer o que faço. Quero que seja você mesmo, e faça o que desejar. Eu apenas tento orientá-lo. Reconheço que algumas vezes acabo interferindo demais na sua vida, mas só quero seu bem.
- Eu também não sou perfeito. Apenas quero que se orgulhe de mim; e que confie em mim – Artur resistia bravamente à palavra “perdão”. O orgulho era uma característica que, como nenhuma outra, havia herdado de seu pai.
- Eu não estou desconfiando de que esteja dizendo a verdade. Só estou tentando protegê-lo de si mesmo. Também já fui jovem. Quero evitar que cometa os mesmos erros que cometi. Prometo-lhe que amanhã de manhã conversaremos com mais calma, e veremos uma solução para esse problema.
Artur não respondeu, nem fez nenhum gesto. Seu silêncio dava a entender que não concordava com a decisão de seu pai, mas respeitava. Disse “boa noite” e foi para seu quarto.
No dia seguinte, tomaram café juntos, prática também deixada de lado, e conversaram algum tempo (tanto tempo que soou estranho para as sempre atentas empregadas da mansão). Artur contou toda a história a seu pai. Falou de como havia conhecido Amanda, e que se comunicavam apenas por cartas.
O senhor Sanetto consentiu que Artur viajasse para Minas Gerais, mas impôs duas condições. Primeiro, deveria obter autorização de seus professores da faculdade, para que não ficasse reprovado em nenhuma disciplina. E a segunda condição era que fosse acompanhado por Moreira, seu motorista particular, na viagem. Moreira trabalhava para o senhor Sanetto havia cinco anos, e gozava de sua plena confiança.
- O senhor quer que eu vá de carro?
- Não. Você irá de trem, mas Moreira o acompanhará.
- E quem irá dirigir para o senhor?
- Eu mesmo irei dirigir. Ou então contrato alguém para substituir Moreira temporariamente.
Artur imediatamente concordou com a condição imposta por seu pai, e apressou-se em comprar as passagens para partir o mais cedo possível. A muito custo conseguiu convencer os professores da faculdade, submetendo-se a diversas exigências. Setudo desse certo, planejava passar pelo menos uma semana em Minas. No dia seguinte, após o almoço, partiu.
Curiosíssima pelo encontro de Amanda e Artur... Será que ela morreu e ele terminará se apaixonando por Elisa? Ou será que a doença era mera mentira para fazê-lo ir visitá-la?
ResponderExcluirCuriosa! =)