domingo, 26 de junho de 2011

Um Encontro Inesquecível

Artur chegou a sua casa tentando esconder o curativo que havia no braço. Mas dona Aurélia, antiga empregada da casa e que agora era a governanta, percebeu. Seu pai já estava deitado, e não o viu chegar.
-         Artur, o que é isso no seu braço? - perguntou dona Aurélia.
-         Foi só um pequeno corte, dona Aurélia.
-         Um corte?! Menino, onde você se cortou?
-         Fale mais baixo, dona Aurélia. Não quero que meu pai escute.
-         Andou brigando na rua, menino?
-         Não. Eu e meu amigo sentamos em um banco de cimento, e ele quebrou. E logo na casa do secretário, no meio da festa – Artur olhava em todas as direções, temendo que seu pai estivesse perto. - Meu pai está em casa?
-         Sim, no quarto.
-         Por favor, não conte nada a ele. Do jeito que ele está, é capaz de me proibir até de sair de casa. Vou para meu quarto. Se ele aparecer e perguntar alguma coisa, diga que cheguei muito cansado e já fui dormir.
            Artur levantou-se no dia seguinte quase ao meio-dia. Seu pai já não estava em casa. Almoçou, estudou algum tempo e novamente saiu. Retornou quando o dia já estava anoitecendo. O sr. Sanetto já havia retornado de mais um dia de trabalho, e estava sentado em uma das poltronas da sala principal, lendo um jornal e fumando um de seus charutos, quando Artur entrou.
-         Olá meu filho.
-         Boa noite, pai.
-         Como foi a festa ontem?
-         Foi ótima. Mas não conhecíamos quase ninguém. Então viemos mais cedo.
-         Parece apressado. Vai sair novamente?
-         Sim senhor. Vou à casa de um amigo. Temos que fazer um trabalho da faculdade para amanhã. Acabamos deixando para a última hora.
            Artur tomou banho, trocou de roupa e saiu novamente sem despedir-se. Em seguida, dona Aurélia aproximou-se do Sr. Sanetto, como se desejasse dizer algo.
-         O que você quer me dizer, Aurélia? – perguntou o senhor Sanetto.
-         Senhor, eu já o conheço há muitos anos, e tenho pelo senhor e seu filho muita estima. Preocupo-me com todos aqui dentro desta casa.
-         Diga logo o que você quer.
-         Sei que pode parecer muito atrevimento da minha parte, mas mesmo assim perguntarei: O que está acontecendo com o senhor? Lembro-me de que há algum tempo atrás o senhor nunca permitiria que seu filho fizesse as coisas que faz, ou até mesmo que o contrariasse.
-         De fato, Aurélia, é muito atrevimento seu intrometer-se em assuntos que não lhe dizem respeito. Mas eu responderei – após dar uma breve pausa, o senhor Sanetto prosseguiu. - Meus dias nesta terra estão findando, e Artur já está com vinte e um anos de idade. Logo não estarei aqui para proibi-lo de fazer qualquer coisa. Estou deixando-o viver como deseja, para que talvez a vida lhe ensine o que eu não consegui ensinar todos esses anos. Espero ainda está vivo quando ele se der conta do tempo que está perdendo, pois assim poderei ajudá-lo.
-         O senhor está doente?
-         Você está sendo irônica comigo, Aurélia?
-         Não senhor, de forma alguma.
-         Isto não lhe diz respeito. Nem a você, nem a ninguém desta casa. Você já perguntou demais. Preocupe-se em fazer seu trabalho, que do meu filho e da minha saúde cuido eu – tendo dito isto, o senhor Sanetto levantou-se e saiu porta à fora, como fazia costumeiramente. Dispensava o motorista em suas saídas noturnas, e ninguém sabia para onde ia.
             Naquele mesmo dia, por volta das nove horas da noite, Artur retornava para sua casa dirigindo seu carro. Exatamente no momento em que passava em frente à casa do secretário de finanças, palco da festa do dia anterior, faltou gasolina. Sem saber o que havia ocorrido, resolveu pedir ajuda aos seguranças da casa. Neste momento, um carro parou em frente à mansão, indicando que entraria.
-         Artur? O que faz aqui? – era a voz de Elisa, vinda de dentro do carro.
-         Elisa? – Artur pensou um pouco, e prosseguiu. – Vim aqui ver você - A resposta do astucioso rapaz atravessou como flecha o coração daquela tímida moça.
            O carro em que Elisa estava entrou, e os portões se fecharam. Em seguida, abriram-se novamente, e um dos seguranças conduziu Artur até dentro da casa. Lá estavam a sua espera Elisa e sua família. Logo que viu Artur, uma simpática senhora sorriu e perguntou:
-         Quem é seu amigo, minha filha?
-         Papai, mamãe, este é Artur – respondeu Elisa, desviando o olhar para o chão. Elisa era uma jovem muito tímida, e jamais havia sido assediada por um homem.
-         Boa noite a todos! – falou Artur, inclinando levemente a cabeça para frente.
-         Boa noite filho – disse o pai de Elisa. – Fique a vontade, embora a casa não seja minha.
-         Não vai apresentar sua irmã ao rapaz, filha? – perguntou novamente sua mãe.
-         Artur já a conhece, mamãe.
-         Bem, na verdade, não sei seu nome – observou Artur.
-         Eu sou Amanda - Artur e Amanda olharam-se fixamente por alguns segundos, causando um repentino e estranho incômodo em Elisa.
            Amanda não era alta nem baixa. Sua pele branca contrastava com seus cabelos pretos e levemente ondulados. Seu rosto parecia ter sido cuidadosamente desenhado. Boca pequena, nariz agudo e delicado. Mas foram seus olhos que chamaram a atenção de Artur. Eram claros, de um verde leve, porém marcante, coadunando-se em uma perfeita harmonia a um olhar profundo e provocante.
-         Bem, deixarei vocês a sós. Podem conversar aqui nesta sala mesmo. Amanda os fará companhia – disse a mãe das duas moças, retirando-se em seguida juntamente com o pai.
            Artur e as duas irmãs sentaram-se e, por alguns instantes, não proferiram nenhuma palavra. Era um silêncio estranho, e Artur sabia disso. Não havia planejado aquele momento. Não estava ali por causa de Elisa, embora a idéia pudesse ser-lhe agradável. Tentou esquecer a preocupação sobre como chegaria a sua casa naquela noite.
-         Sei que está um pouco tarde, mas eu só queria revê-la, Elisa.
-         Por que, senhor Artur? - Elisa desviou o olhar para o chão.
-         Por favor, não me chame de senhor. Mas como eu dizia, eu ainda devo a você.
-         Deve-me? - Elisa olhou para Artur e franziu a testa, como se formasse um ponto de interrogação.
-         Sobre ontem. Você fez este curativo, lembra? - Artur levantou um pouco a manga da blusa e mostrou o curativo a Elisa.
-         Deixe-me ver novamente - Elisa e sua irmã estavam sentadas em duas cadeiras posicionadas de frente para Artur. Então ela levantou-se e aproximou-se dele. - Ainda não o trocou nenhuma vez? Parece úmido. Você deve tê-lo molhado ao tomar banho.
-         Não, não troquei. Não sabia que era preciso – Artur sorriu meio desconcertado.
-         Bem, acho que posso ajudá-lo. Por favor, espere-me um pouco aqui.
-         Aonde você vai, Elisa?
-         Irei pegar o material para fazer um novo curativo.
-         Não é preciso. Eu passo em uma farmácia quando for para casa.
-         A esta hora, senhor Artur?
-         Não quero incomodá-la, Elisa. Não vim aqui para isso, mas para saber como poderia retribuir tudo que fez por mim.
-         Não se preocupe, Artur, minha irmã adora fazer isso – interferiu Amanda. Então Elisa deu um singelo sorriso e saiu. Foi até o quarto e colocou o mesmo perfume da noite anterior.
            Quando a doce moça retornou, após alguns minutos, viu que Artur e sua irmã pareciam muito à vontade juntos. Amanda estava sorrindo descontroladamente, ouvindo uma história que Artur contava. Novamente, sentiu o mesmo incômodo de momentos antes, como se seu coração se contraísse.
            Ficou em pé junto à entrada que ligava a sala de visitas, onde estavam, e um corredor que dava acesso a uma pequena copa, indecisa sobre o que fazer. Estava chateada, mas não queria admitir. Um ciúme perturbador percorria seu interior. Sentiu vontade de esconder-se, ir para o quarto, e pedir que sua mãe avisasse que estava enjoada. Mas Artur a viu em pé, e sorriu.
-         Elisa...? O que faz aí, em pé? - perguntou ele.
-         Esqueci alguma coisa. Já volto – Elisa novamente retornou para a copa. Transtornada, foi até a pia e lavou os locais em que havia passado o perfume. Ficou lá por alguns instantes, pensativa, procurando acalmar-se para que não notassem sua mudança repentina de humor.
            Alguns minutos se passaram até que Elisa reaparecesse. Artur e Amanda pararam repentinamente de falar quando a viram, como se conversassem sobre algum assunto particular. Elisa sentou-se ao lado de Artur, sem proferir uma palavra sequer, e começou a trocar o curativo.
-         Está tudo bem, Elisa? – indagou Artur, enquanto ela limpava o ferimento, percebendo o semblante grave da delicada moça.
-         Sim, está tudo bem – respondeu Elisa com certa indiferença.
-         Com licença, já volto – Falou Amanda, levantando-se da cadeira.
-         Amanda, não se esqueça do papel e da caneta – disse Artur.
-         É exatamente isto que estou indo buscar – respondeu ela sorrindo.
            Quando Amanda retornou, trazia duas folhas de papel e uma caneta. Elisa já estava terminando de trocar o curativo.
-         Elisa, você tem as mãos de uma fada – elogiou Artur – Estou lhe devendo mais essa.
-         Você não me deve nada – disse ela rigidamente. Artur percebeu que parecia zangada com algo, e preferiu ficar calado.
            Mas a gota d'água para Elisa foi quando sua irmã e Artur trocaram seus endereços, prometendo um ao outro enviar cartas.
-         Elisa, não sabia que vocês não moravam aqui. Muito menos que estavam indo embora amanhã.
-         Sinto muito não haver dito. Não houve oportunidade.
-         Então, acho que vou ficar mesmo com esta dívida com você – disse Artur, tentando encontrar o olhar de Elisa.
-         Não se preocupe com isso. Estou acostumada a ajudar muitas pessoas, e, em troca, às vezes receber ingratidão – Artur sequer imaginou que a indireta fora para ele.
-         Não será este meu caso. Eu agora tenho o endereço de vocês duas.
-         Elisa, acabei de descobrir que Artur é filho do dono das fábricas de tecido SAN Têxtil. Não é incrível? – disse euforicamente Amanda.
-         De fato, é incrível – Elisa parecia completamente indiferente.
-         Então, eu já vou – Artur olhou diretamente nos olhos de Amanda. - Está tarde para vocês e para mim – Ambos permaneceram se olhando por alguns segundos, parecendo não se importar com a presença de Elisa.
            Artur despediu-se das duas jovens, e foi conduzido até o portão de saída por um dos seguranças da mansão. Como não tinha nada de bobo, fingiu não saber que o carro estava com problemas, e tentou dar a partida. Quando os seguranças perceberam que o veículo parecia apresentar problemas, se aproximaram, oferecendo ajuda. Foi quando Artur explicou que o carro havia ficado sem combustível.
                        Algum tempo mais tarde, um homem, empregado da casa, atravessou o portão com uma garrafa de plástico que continha gasolina e, fazendo uso de uma mangueira, transferiu a gasolina para o tanque do carro de Artur. Finalmente, cerca de meia hora depois de despedir-se de Elisa e Amanda, Artur rumou novamente para casa.

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